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Rotas da discriminação: Uma viagem de ônibus

Discriminação no transporte público: uma questão de bairro, etnia, sexualidade e diversidade
Em média 12 mil pessoas andam de ônibus, por dia útil, em Varginha e quem anda de ônibus já deve ter presenciado, ou sofrido, situações desagradáveis        
 
Por Thallita Mesquita 
10/06/2021         
 
 
 
                 O transporte coletivo é o mais viável à população, quando o que está em jogo é o dinheiro. Se você não possui automóvel próprio, provavelmente já teve que escolher entre ônibus ou aplicativos de motoristas para ir a algum lugar, e o que mais pesa nesta decisão é a variação de preço. Apesar de mais barato, o transporte coletivo traz alguns pontos negativos, como o desconforto e a demora. Para superar estes problemas, aplicativos de corridas foram criados, no entanto ainda há um problema a ser superado, tanto nos coletivos quanto nos particulares: a discriminação.
                  “Pode ir, não tem ninguém com ‘cara’ de Boa Vista” é uma frase que não sai da minha cabeça. Uma vez eu estava no ônibus, indo para a casa, e era o último horário de circulação da linha 20, que passava em dois bairros, Campos Elísios e Parque Boa Vista, e depois seguia para o centro. No caminho para meu bairro um passageiro solicitou parada. O motorista parou. A pessoa desceu. Essa linha nunca estava cheia e poucas pessoas a usavam, foi então que, neste ponto, o cobrador do ônibus colocou a cabeça para fora da janela e começou a olhar as pessoas que esperavam pelas conduções; logo falou para o motorista, com uma voz de deboche, “Pode ir, não tem ninguém com ‘cara’ de Boa Vista aqui”, e o motorista seguiu viagem.
 
                  E bairro tem ‘cara’? A discriminação não para por aí!
 
                 A vendedora Nathalia de Oliveira Claro Riso da Silva, de 23 anos, utiliza o ônibus duas vezes ao dia para ir e voltar do trabalho, e fica cerca de uma hora no transporte coletivo e diz já ter presenciado e sofrido descriminações em suas viagens. Acompanhe um trecho do vídeo enviado por ela:
Primeiro relato da entrevistada - Nathalia da Silva
               Procurei alguns moradores do bairro Carvalhos em Varginha, solicitando um relato por vídeo, mas não consegui as gravações a tempo. Em conversa por aplicativo de mensagem com a Ariane, que vive no local, obtive um relato sobre o que ela e os moradores de seu bairro, e dos bairros vizinhos, sofrem com o transporte público. Acompanhe o áudio abaixo. 
Áudio da Ariane, moradora do bairro Carvalhos - Varginha Minas Gerais 
                 Hoje em dia, pessoas como a Nathalia preferem gastar um pouco mais de dinheiro ao aguentar, muitas vezes caladas, o preconceito e a discriminação recorrente nos transportes públicos. A vendedora termina seu depoimento dizendo “Já vi tanta coisa dentro de ônibus que, hoje, toda oportunidade de pegar Uber, ou ir de carro com meu marido, eu prefiro mil vezes”. 

                Não pense que quem nunca sofreu discriminação, assédio ou preconceito não tem nada a contar. Para Hiago Balboni Andrade, de 19 anos, que passa cerca de uma hora e meia no transporte, na mesma condição de Nathalia, relatou, via redes sociais, que já presenciou machismo e assédio no ônibus.​​​​​​​
Parte de uma sequência de perguntas e respostas ao entrevistado Hiago Balboni
Acompanhe mais um relato de Nathalia clicando aqui 
             Segundo a empresa de transporte da cidade, atualmente em Varginha cerca de 12 mil pessoas utilizam o transporte público coletivo, por dia útil, esse número representa apenas 40% da demanda pré-pandemia. 
             O ônibus é o meio mais acessível à população que precisa ir a algum local e não têm seu próprio automóvel, mas com o surgimento de vários aplicativos de transporte, mais confortáveis e rápidos, como a Uber ou a 99Pop, o transporte coletivo ganhou um potencial concorrente.
             Uma reportagem feita pela EPTV Sul de Minas, em setembro do ano passado, mostra que alguns motoristas de aplicativo têm procurado passageiros nos pontos de ônibus, oferecendo a corrida no mesmo valor cobrado pelo ônibus, o que segundo os passageiros entrevistados pela emissora, facilita a vida deles, mas esta pratica não é permitida pelo código de trânsito brasileiro art. 181. Além de irregular, o modo também apresenta perigo para os dois lados por não estarem conectados ao aplicativo de corrida, não sabendo quem é o motorista ou o passageiro. Clique aqui para assistir à reportagem. 
             Mesmo com esta opção oferecida pelos motoristas, algumas pessoas ainda optam pelo transporte público, porque utilizam os cartões de ônibus, que não é aceito nos carros, ou por medo de que algo aconteça, já que a corrida não está cadastrada no aplicativo e não é monitorada. Outro cenário é quando as pessoas acabam escolhendo o coletivo ao invés de solicitar corrida nos próprios aplicativos devido à diferença de valor que as corridas apresentam, o que faz pesar no bolso delas. Estas questões fazem com que o coletivo seja a melhor opção.
            Apesar de o transporte coletivo ser mais barato, ele tem suas desvantagens, como o desconforto e um tempo de viagem maior, já que uma linha passa em vários bairros. Os aplicativos de motoristas resolvem estes problemas, mas infelizmente o assédio, a discriminação e o preconceito não desaparecem com eles, apenas diminuem.
             Em nota, a assessoria da empresa de transporte que atua na cidade respondeu "A Autotrans  treina seus colaboradores para tratar a todos os passageiros com respeito. Se algum passageiro sofrer preconceito dentro de um veículo da Autotrans, o que acreditamos ser raro, o melhor a fazer é entrar em contato através do SAC e passar o máximo de detalhes possível".  
           Com a pandemia, os horários de circulação dos ônibus e a quantidade de linhas diminuíram; houve também a diminuição da quantidade de passageiros que utilizam o veículo e consequentemente os casos de discriminação também tiveram queda, mas diminuir não significa que acabar. 
           
           Para entrar em contato com o SAC, canal de atendimento da empresa de transporte de Varginha, basta ligar gratuitamente para o número 0800 039 88 46 ou enviar um e-mail para sac@gruposaritur.com.br
Rotas da discriminação: Uma viagem de ônibus
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